Muitas vezes a busca por ajuda pode não ser cogitada pelo jovem que vem apresentando dificuldades em lidar com a situação, enquanto sua rede de apoio (família, amigos, escola, outros serviços de saúde e sociais) não possuem conhecimento sobre os comportamentos auto lesivos praticados pela criança ou adolescente.
Além disso, nem sempre o jovem, ou mesmo sua rede de apoio, recorrerá diretamente a um serviço especializado em saúde mental. O comportamento auto lesivo pode ser identificado e acolhido inicialmente em um atendimento emergencial de uma unidade hospitalar, em uma visita na Unidade Básica de Saúde de referência para vacinação, em uma consulta pediátrica de rotina, entre outros.
Por isso, é muito importante que os profissionais de saúde que prestam assistência direta a pacientes, independentemente de sua área de atuação, saibam não somente tratar uma lesão, mas também identificar possíveis sinais de sofrimento mental e comportamento auto lesivo relacionada a ela, acolhendo as demandas identificadas e acionando outros serviços especializados disponíveis na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) por meio do Matriciamento, promovendo o cuidado integral do indivíduo com empatia e responsabilidade.
Isso pode fazer uma grande diferença na vida de quem precisa de ajuda!
Além dos itens de caráter geral que apresentamos em tópicos anteriores aqui no site, os profissionais da saúde conseguem utilizar também ferramentas e mecanismos adicionais para o cuidado da população infantojuvenil que apresenta comportamentos auto lesivos, de acordo com sua formação profissional e determinações dos respectivos conselhos de classe. Alguns exemplos são:
Realização da anamnese: é o ponto de partida, onde devem ser coletadas informações detalhadas sobre o paciente e seus antecedentes biopsicossociais, ou seja, histórico de saúde, desenvolvimento, contexto familiar, social e escolar, bem como detalhes do comportamento auto lesivo. Lembrando que a anamnese é um ótimo momento para criar um vínculo de confiança com o paciente e os responsáveis, os trazendo mais para perto para um cuidado colaborativo.
Aplicação de escalas e questionários: são ferramentas para rastreio, avaliação e monitoramento de comportamento auto lesivo e suas comorbidades, como a Escala de Comportamento de Autolesão (ECA), o Inventário de Autolesão Deliberada (IAD-r / DSHI-s) e o Questionário de Impulso, Autodano e Ideação Suicida na Adolescência (QIAIS-A). Outros questionários e escalas, como PHQ-9 e C-SSRS, podem ser associados aos demais para uma análise mais abrangente.
Desenvolvimento de um plano de cuidado individualizado: construir, junto ao paciente, rede de apoio e equipe multidisciplinar, um Projeto Terapêutico Singular (PTS) detalhado, humanizado e colaborativo. Lembre-se de que é importante que o paciente tenha voz ativa e esteja envolvido nas escolhas e elaboração do próprio tratamento sempre que possível.
Manejo, plano de crise e redução de danos: utilizar sempre um acolhimento empático e aplicar abordagens terapêuticas baseadas em evidências, bem como identificar e registrar gatilhos, facilitadores, estratégias de enfrentamento e métodos para minimizar o dano físico quando a autolesão ocorre. Algumas estratégias podem ser ensinadas e colocadas em prática em momentos de crise, enquanto o jovem ainda não consegue interromper completamente o comportamento auto lesivo, como técnicas de distração e regulação emocional (ex.: segurar gelo sem deixar queimar, mastigar algo picante, realizar atividades engajadoras, aplicar respiração diafragmática, praticar mindfulness, entre muitos outros).
Manejo farmacológico: não há um tratamento farmacológico específico para comportamento auto lesivo até o momento. No entanto, o uso de medicamentos pode ser considerado no tratamento de sintomas e comorbidades associadas à autolesão, como depressão, ansiedade, transtornos de personalidade, entre outros. É importante que o manejo farmacológico esteja sempre associado a psicoterapias e acompanhamento multidisciplinar!
Realizar o matriciamento de maneira efetiva, atuando em conjunto com demais serviços da Rede de Atenção Psicossocial para oferecer um cuidado integral em saúde para cada criança e adolescente em acompanhamento.
Então acompanhe este episódio do Papo de Psiquiatra sobre "autolesão: saiba o que fazer nos momentos mais difíceis".
Separamos algumas leituras que podem te auxiliar a aprofundar seus conhecimentos sobre o tema. O primeiro trata-se de uma indicação de livro físico, disponível apenas para compra. Já nos demais, você será direcionado ao livro virtual ao clicar na imagem correspondente:
Psiquiatria da Infância e Adolescência: Cuidado Multidisciplinar.
Miguel Boarati, Telma Pantano, Sandra Scivoletto. Editora Manole, 2023.
O Departamento de Psiquiatria da FMUSP realizou um debate intitulado "A relação entre autolesão e suicídio em jovens: manejo clínico e novas perspectivas de tratamento".
Encontre um espaço tranquilo e aproveite esse momento de aprendizado!